1- ABYSS/ABISM, é o título da sua nova exposição individual. A etimologia desse termo vem do grego ἄ-βυσσος, sem fundo, o que essa palavra representa para você? Tem um significado positivo ou negativo?
O Abismo pode ser uma forma de desconstruir a realidade. O “sem fundo” pode ter um significado negativo de nenhuma esperança, uma atmosfera distópica de escuridão, como à referencia do periodo de isolamento social no mundo pelo covid-19, ou para nós do Brasil, o experimento de um governo que utilizou nos ultimos 4 anos de uma politica da morte para manipular, converter e controlar a população. Apesar da miseria sofrida ao longo dos ultimos anos, relembrando o termo “sem um fundo”, podemos tambem entende-lo como uma constancia ao continuar caindo, flutuando, em movimento e portanto vivos… Como “pular no vazio”, quando Ives Klein manipulou a imagem para criar o salto para o nada…
2 – Existem artistas que influenciaram seu trabalho? Se sim, quais são?
Muitos artistas me influenciaram ao longo dos anos, principalmente a partir dos anos 50 ate os 70, mas sempre tento buscar novas referências.No entanto creio que as referencias mais presentes sejam minha vivencia no dia a dia assim como as leituras de livros sobre filosofia e sociologia.
3- Nas obras expostas, destaca-se o uso poético e multifacetado de materiais e fragmentos, derivados do cotidiano. Por que esta escolha?
Há muito tempo venho usando os materiais do dia a dia. No começo da minha carreira, o uso veio por serem materiais de fácil uso , que poderia conseguir de graça ou por preço baixo. Logo, comecei à entende-los nao somente como materiais desse cotidiano, mas como fragmentos da arqueologia cotidiana. Com suas historias anonimas , com seus corpos ja desgastados e descartados pela programacao do Mercado. Além desse ponto, queria estabelecer uma linguagem crua dos trabalhos, sem maquiagem. O material por si e inunda-lo com metáforas ao coloca-lo como sujeito e não objeto. Acho que talvez o uso destes materiais mais pobres, crus ,venha em decorrência a um contraponto aos materiais clássicos utilizados ao longo da história da arte como o bronze, o marmore, granito ou mesmo a tinta óleo, que para mim chegaram com um certo distanciamento e abstração. Assim como as referencias trabalhos de arte classicos, que obtive atraves de livros e revistas, a informacao ja chegava nao pelo meio real, mas atraves de uma interpretacao sobre sua representação
4 – Como o período de lockdown influenciou sua produção?
Durante o bloqueio perdi meu estúdio e tive que me adaptar para trabalhar em casa. Isolado, e com pouco espaço e recursos, me vi pela primeira vez experimentando a pintar com tinta a óleo. A primeira instancia vi como um exercício, um diário ao retratatr a realidade distópica que nos cercava, pela pandemia, e claro sobre o colapso da visão de uma sociedade democrática no Brasil (Em 2018 o candidato da extrema direita venceu a eleição, e passou a comandar o país como uma estratégia necropolítica).
Pensando nisso, o tempo lento para secar a tinta, um tempo natural contra uma máquina complexa, a aceleração da ordem natural. Lembrei-me durante este processo de pintura, l’avant-garde Realism do século XIX, o primeiro movimento que começou a retratar o valor do ordinário, do comum.
Criando um diálogo entre essas duas referências, iniciei a série Sobre o amanhã a Alvorada. Frase de apropriada de uma matéria da velha revista brasileira Manchete, que escreveu uma crítica sobre Brasília e a construção da utopia com a construção da nova capital trazendo modernidade.
Com esta série tentei estabelecer uma comunicação e mesmo critica entre os projetos passados de um país com um interesse desenvolvimentista da decada de 50 e sua herança pos ditadura militar e enraizamento de politicas neoliberais.
5 – Na contemporaneidade, qual você acha que é a tarefa do artista?
Na América Latina, a arte ainda tem que ser política. A arte pode ser uma forma de refletir realidades, não deixa de ser uma verdadeira manifestação. Ainda fora de controle.
Desde 2016 comecei a participar de alguns coletivos de arte, como Aparelhamento, Ali (Arte Livre intinerante) e Galeria Reocupa, como forma de ser mais ativo político e social. O interesse começou quando vimos o golpe de Dilma (2016) e logo o início da desativação dos programas culturais e sociais por Temer. Por longos anos a rede Aparelhamento esteve ativa criando ações contra o golpe e o governo Bolsonaro (2018). Uma das ações mais importantes e duradouras foi criar a cozinha 9 de julho e logo a Galleria Reocupa. Uma galeria de arte comercial dentro do prédio 9 de julho em São Paulo. Uma ocupação social, organizada pelo movimento social MSTC.
A estratégia de criar um espaço de arte neste local, foi construir mais uma barreira contra a reintegração de posse do Governo. Além de auxiliar a manutenção do predio com a venda dos trabalhos de arte expostos. Esta galeria apenas existe como uma maneira em raquear o mercado de arte, pois nao gera lucro . Todo capital ganho é revertido à luta do movimento e auxilio para artistas. Para a lei, se o prédio estiver trancado e não pagar o imposto municipal, não está cumprindo o dever social com a cidade. Por isso, o MSTC organiza as ocupações destes locais, afim de devolver à cidade a funçao original do edificio. Quando ocupado, o imovel é adaptado por completo para as moradias sociais, que mantém, preservam e otimizam o local, retornando a sociedade sua função social.
O Ali:leste foi um projeto que iniciamos em 2018, frente a obscuridão que viria com o governo Bolsonaro. O projeto pensado e desenvolvido por artistas plásticos, com o intuito em estabelecer uma ponte de afeto, educacional, artistísco e social do centro ao extremo leste de São Paulo, a Cidade Tiradentes.
6 – “Sem título”(2023) é uma obra que enfatiza como o mercado está em toda parte e distorce nossa compreensão da realidadeỳ. Arte e mercado podem dialogar sem corromper os ideais da primeira?
Desde a implementacao de uma politica economica neoliberal, o mercado ficou onipresente. Seja nas escolas, instituicoes, nas redes sociais, adiministracao de governos e mesmo no que entendemos como livrre arbitrio.
A arte no meu ver esta mais conectada a um pensamento , uma manifestacao. E não a um produto de consumo. O produto è a materializacao do pensamento.O eco de uma manifestação, que existe equanto potencia. Nao que o produto seja inferior à manifestacao,no entanto entra ja em outra categoria de consumo. O pensamento pode ser consumido, mas por ter um caracter mais volatil cria uma dificuldade maior.
Acho que a arte pode ser um meio de corromper a ideia geral de mercado, de auto descarte, de auto consumo. Como ao que falei um pouco antes sobre a galleria reocupa. Rackear esse sistema para um beneficio comum do coletivo. Um caminho oposto ao acumulo por si, o capital é transformado.
7 – Quais são os próximos projetos em que você está trabalhando?
Depois desse show aqui em roma , retornarei para sao paulo , onde alem das aulas e acompanhamentos para jovens artistas, retomarei os projetos que ja havia comentado.
Para a galeria reocupa estamos planejando uma grande mostra que acontecera em 3 lugares, no predio da ocupacao em sao paulo, logo no museu da incofindencia em ouro preto e logo em outro museu em brasilia. A exposicao realizada de maneira horizontal e coletiva entre artistas, curadores, moradores da ocupacao tem como tema a ideia de refundação , entendendo esta como uma proposta critica ao statusquo, seja na historia escrita do Brasil, seja no campo estetico, politico e mesmo de genero.
Outro projeto é a continuação das acoes do Ali:leste, uqe para isso faremos um leilao com obras nossas, dos jovens artistas da CT e outros apoiadores do projeto. O intuito do leilao é arrecadar fundos financeiros para continuarmos desenvolver e conectar os extremos sociais, politicos e economicos na cidade de sp.