Desvios Urbanos

Exhibition 2 – abertura 30 Maio 2023

Desvios Urbanos (Urban Diversions)

“…a cidade não conta o seu passado, ela o contém

como as linhas da mão, escrito nos ângulos das

ruas, nas grades das janelas…”[1] – Ítalo Calvino

Esta exposição recusa a inocência e recorre a experiências muito conscienciosas de território que permeiam a paisagem urbana. A arquitetura habitada ocupa um grande espaço no imaginário destes artistas. Desvios Urbanosfala de identidades que não são compactadas dentro de noções restritas de nação, mas sim de pequenas realidades e histórias que muitas vezes se tornam invisíveis: o coletivo, o urbano, o social, o histórico. Torna-se uma questão de reimaginar as muitas maneiras pelas quais os territórios podem ser tomados e habitados.

No vídeo de Kader Attia La Tour Robespierre (2018) uma filmagem da fachada do prédio em uma cidade francesa alude à estética da arte cinética para exibir janelas e varandas de um prédio de arquitetura utópica que captura um momento ambicioso dos projetos modernistas de habitação social e, por que não, também, de sociedade. No filme de Attia, essa arquitetura é representada por uma imagem em movimento como se filmada a partir de um elevador que não para de subir, criando um retrato demasiado peculiar da vida em comunidade, uma composição visual fascinante e hipnótica.

Em Vide et Eau (2012) a oportunidade de observar as varandas e janelas urbanas pela perspectiva de Attia é ampliada para uma metáfora da vida e seu constante equilíbrio entre a complexidade, força e movimento da sociedade, lá fora, versus a intimidade e individualidade de cada um de nós – um contraponto que se faz presente por todas as obras da mostra. Neste vídeo, o artista escreve “vida e vácuo” sobre o vapor condensado numa janela, a camada transparente que separa calor, conforto e proteção da cidade que segue sob chuva lá fora. As gotas que escorrem do escrito sobre o vidro atenuam a fragilidade de um ato simples e potencialmente despretensioso, mas também tão íntimo e capaz de expressar tensões internas em muitos de nós. Continuando o jogo de dentro e fora, Osvaldo Gonzalez Aguiar utiliza fita adesiva translúcida para intervir nas janelas da própria galeria e fixar, nelas, alguns elementos que misturam suas próprias criações com a paisagem urbana externa que as mesmas janelas revelariam. A galeria Continua se situa numa ponte sobre a Avenida Pacaembu, de forma que as janelas onde Aguiar constrói suas composições flutuam sobre a movimentada avenida, entre a vista para os dois lados de seu fluxo.

André Komatsu, por sua vez se apoia na espacialidade intima y discreta, com sua instalação Luz obscura, abismo brando (2023), para falar sobre as forças da cidade, às vezes opressivas, às vezes fortes apenas em seu potencial de construir o tecido social que constitui o verdadeiro vínculo de qualquer projeto arquitetônico. O único elemento que torna o trabalho possível é a luz que tira o espectador do abismo e o confronta com a crueza do arame farpado ou da malha de construção, elementos sempre presentes nas cidades, especialmente na megalópole de São Paulo. A obra nos convida a observar a cidade, o que está presente em nossa vida cotidiana, mas que não vemos mais, devido ao excesso de presença que entorpece o habitante.

As estruturas arquitetônicas se fazem mais presentes na obra de Attia, Aguiar e Komatsu, a obra de Susana Pilar traz a atenção ao território de menor escala que compõe a paisagem urbana – o corpo humano que a habita. No contexto da mostra Desvios Urbanos, sua obra Resistência (2019) oferece um contraponto e um convite: observar o corpo que, enquanto território – e microcosmo do território urbano – carrega suas próprias marcas de deslocamentos, desvios e percalços. A obra de Pilar retrata momentos de uma performance de quatro horas em que a artista testa a resiliência de seu próprio corpo ao resistir, em pé e no mesmo lugar, ao vento produzido por um ventilador de escala industrial. No vídeo, o corpo se empenha contra uma força invisível enquanto a luz do dia, visível pelas janelas, cai, e a atenção gradualmente passa a se dividir com as janelas, que sugerem a força do vento, também, lá fora.

O romancista Ítalo Calvino descreve a cidade como um símbolo complexo da “tensão entre racionalidade geométrica e emaranhado das existências humanas”[2]. Esta tensão imposta contra a condição humana, inegavelmente encontrada nos ambientes urbanos, se prova também o fio condutor entre estas obras desta exposição, onde o fator social do urbano não deixa esquecer o humano.

[1] Ítalo Calvino em Cidades Invisíveis.

[2] ítalo Calvino referindo-se à sua obra Cidades Invisíveis, em Seis propostas para o próximo Milênio (p.85)

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