MC: Bem , para quebrar o gelo … Estava lembrando de algumas comparações que andam fazendo entre a minha produção e a sua produção desde a exposição que nós fizemos em Londres, “A ordem natural das coisas” propusemos a ter uma perda de autoria, onde os trabalhos não eram identificados pelos nomes, justamente para as pessoas pensarem muito mais o contexto que os trabalhos estavam do que diretamente de quem era cada trabalho. Isso causou um pouco uma confusão e até hoje muita gente se confunde por causa de algumas questões e materiais, e gostaria de saber como você percebe isto?
AK: Bom, na verdade nunca me incomodei com estas questões de autoria, identidade, porque creio que este tipo de comparação que existe dentro do mercado (não só o de arte) tende a comparar a produção do artista , justamente para diminuir o outro. Uma comparação por subtração.
MC: Mas isso você diz como um grande resumo?
AK: Não necessariamente… por exemplo, uma quebra de identidade do trabalho ou artista pode ser positiva, de fato. Isto me recorda algumas conversas antigas que tínhamos, sobre esta “busca”. De não continuar em um estado de anestesia. De não acomodar-se em um elemento, situação ou questão.
MC: Você fala de mídia?
AK: De mídia e pesquisa. Para o assunto não ficar chato, repetitivo. Ou até mesmo de fácil assimilação para o mercado.
MC: Engraçado que isto me faz lembra-me , que nós nos conhecemos a 15 anos e faz algum tempo que não temos uma conversa sobre trabalho e cada vez mais do meu ponto de vista está cada vez mais difícil pro artista falar de conceito e de reflexão na obra, para uma prática sistemática de trabalho, por uma necessidade mercadológica ou por que o Brasil estar em uma ascensão econômica. E porque nós nunca mais tivemos este tipo de prática, até porque era uma das coisas que exercíamos na faculdade. Até que ponto isto incomoda ou se isso já está incluído no processo criativo ou se não é mais necessário este tipo de conversa?
AK: Acho que a conversa, a troca é sempre bem vinda… E existe de fato, assim como uma sistematização da produção artística e talvez o desenvolvimento do conceito entre dentro deste sistema.
MC: Será que a reflexão da prática artística acaba na própria execução do trabalho enquanto profissionalização? E isso cria um embate na experimentação de novas coisas? Mesmo que sejam efêmeras e não se encaixem num padrão mercadológico?
AK: Me explique melhor…
MC: Se é possível manter-se experimental, mesmo estando dentro do mercado?
AK: Eu acho que sim, você não acha que é possível?
MC: Eu não sei, talvez seja uma tentativa no que me faz acreditar o que é ser artista, pensar nisto e criar, “chutar o balde” desse limite que é sempre é dado para a gente.
AK: Pensar arte ou mesmo agir é uma maneira de refletir sobre o entorno. Tentar questionar ou mesmo criar dúvidas sobre este meio estabelecido. Não é necessário mais representar… que é exposta por inúmeros meios como a internet…
MC: Você fala de referência?
AK: De conceito e produção.
MC: E na balança, pensamento e produção se igualam?
AK: Sim, claro. Não estamos falando em produto. Mas vamos deixar claro que a “produção”, refiro-me mais ao processo do que ao objeto pronto. Uma produção que não tem seu término…
MC: Sim, concordo.. . Pensando na época em que estudávamos juntos, Talvez existisse, não sei se uma visão inocente da produção de arte, porque se pensarmos que até 5 ou 6 anos atrás não existia esse “boom” de mercado de arte. Portanto uma motivação em produzir que não era monetária. Você vê isto com uma maneira saudosista?
AK: Não, mas uma situação que vivíamos. Por exemplo, começamos a produzir mesmo sabendo que não haveria uma comercialização do trabalho, fazíamos porque acreditávamos ( na ação da arte). Mesmo hoje, se pensarmos, na nossa “profissionalização”, produzimos de maneira igual e similar a que produzíamos.
Mesmo existindo uma sistematização deste processo. Continuamos, porque não ficamos pensando durante o processo em uma relação monetária. De outra forma o trabalho vira uma encomenda, uma decoração.
MC: Não uma decoração, mas uma produção entorno de um pedido e isso não é um pensamento cotidiano, uma questão. Algo feito por um propósito em si. Que existe muitos artistas que trabalham assim…
AK: Realmente, mas para mim não vejo muito sentido. Por isto que este ano decidi diminuir o ritmo de produção (este como produto), para voltar a refletir mais sobre esta produção( agora como processo). Pois esta sistematização de forma generalizada estava desencadeando uma perda de força, consciência e presença ao refletir sobre o trabalho.
MC: É, isso é uma exaustão que eu também sinto um pouco. E para mim , nos últimos trabalhos que fiz, foi importante olhar para trás , ver trabalhos antigos que há tempo não via, isto me fez pensar algumas questões que estava querendo fazer, e isto resultou em uma coisa boa. Você acha que possui uma pratica assim atualmente?
AK:Claro, sempre vejo meus cadernos, como uma fonte de referencia e não só para perceber o que fazia, mas para recordar o que você era. E entendendo isto,
você entende oque você é hoje.
MC: Mas você gosta mais dos seus trabalhos antigos ou novos?
AK: Igual… Depende muito do momento, situação. Por exemplo, o “anamorfose sistemática 2” ( 2012), é um trabalho que me remete a outros mais antigos que fazia, como em “ Marco 1” ( 2006), que disfuncionalizava o objeto trazendo outros questionamentos.
MC: Eu gosto quando você tira esta função do objeto banal, como uma prateleira comum. Recordo quando você estava agora em Bogotá, vendo este trabalho percebi que parecia que tinha dado um golpe de Karatê no objeto. E nunca tinha associado isto a uma raiz oriental, isto faz sentido ou não?
AK: Se existe é inconsciente. Acho que caminha mais com uma situação ou mesmo ação cotidiana e ordinária. Se pensar que em qualquer situação existe uma invasão.
MC: Oque me chama mais a atenção de um trabalho escultural ou talvez não de para definir como escultura, mas me refiro quando se vê um objeto que sofre uma ação no tempo, quase como se fosse um resíduo de uma performance. Como aquele trabalho ( Peso morto _ 2011), que da a idéia de um peso colocado em cima da lâmina de madeira e como este peso continuasse em uma… como se o trabalho estivesse acontecendo em um espaço-tempo e não estivesse congelado. Como é pensar isto nos trabalhos? Que isto me parece ser muito recente, que antigamente existia mais uma relação de registro de performance ou de uma ação direta no espaço. As prateleiras em si possuem esta característica atemporal de congelar o momento..
AK: Não consigo ainda esclarecer muito sobre isto pelo fato do trabalho ser ainda muito recente, por estar dentro do “turbilhão”… Acho que existem referências , idéias , mas definir o trabalho prefiro não fazer agora. Isto é uma coisa que tenho pensado ultimamente, sobre esta definição das coisas, este controle em permanecer intacto. Definir é congelar.! E isso é uma ação que procuro não fazer, por exemplo ; uma ação ordinária que tento continuar é ser guiado pelo fluxo e não guia-lo mais… Levar-me pelo acaso, acidentes. Pois a partir desta sistematização do trabalho, …
MC: Como uma linha de produção?
AK: Estou tentando seguir um caminho contrário a este..
MC: Por ter uma rotina de trabalho ou por não ser mais um jovem artista “maconheiro”? Sic…
AK: Sic… Acho que é uma forma em tentar entender uma situação sistemática de outro modo…
Gostaria de retrucar a pergunta que você me fez no começo da entrevista. Para você é um incomodo a comparação dos nossos trabalhos? Por que?
MC: No princípio isso me incomodou pela similaridade de mídia, mas com o tempo fui percebendo que não era o material que faz o trabalho ser igual, ou parecido. Para mim agora parece ser mais uma relação de troca, quando você me propõe um trabalho com mesmo material , no entanto de outra maneira. Se focarmos no material, o tijolo, por exemplo. Você começou a utilizar o tijolo de barro e depois passou para o de concreto, em um momento que já havia trabalho com este material, e como minha preocupação não era forma esse material passou.
Você trouxe em Desvio de poder 1( 2011), um bloqueio com um muro de blocos de concreto, como um artifício de um divisor de espaço e a tinta branca romper este limite. Se falarmos em material, você em seu trabalho adiciona outros materiais como a tinta, madeira. Com isso se quebra minha primeira interpretação , um incômodo inicial. Pois não é mais somente o cimento, mas sim um dialogo com uma maneira em se romper essa verticalidade. Como propus em Imóvel(2004), ou em Luto em luta( 2008) que pensava o tijolo como uma estrutura hierárquica – vertical. Como também horizontal em monobloco
( 2004), um trabalho que se auto destruía.
Penso mais hoje como um diálogo doque um incômodo.
AK: A nossa conversa passa de ser verbal , para uma troca através dos trabalhos. Uma não comparação ou subtração… Talvez uma outra maneira em romper com a competição gerada pelo mercado.
MC: A subtração pode anular os dois , se seguirmos a matemática.
AK: Se crescemos e desenvolvemos juntos nossos trabalhos,por que haver esta subtração?
MC: Me lembro de alguns trabalhos antigos seus, como Y0K (2002) que nesta ação você utilizava seu corpo para quebrar uma quina de paredes brancas ou em Encouraçado (2001) que você rola as escadas …Na época realizei também algumas performances, como em Processo de acinzentamento (2003). Acho que tínhamos esta fúria juvenil punk. Você acha que perdemos isto ou traduzimos isto de outra maneira?
AK: Acho que transformamos, mas a contestação continua existindo, por isto ainda produzimos. As ações diretas, imediatas foram codificadas por um acúmulo de informações, e vivências.
Como em Projeto –Casa / Entulho ( 2002), que após construir por um período de um mês em uma galeria de arte, diversos móveis com materiais descartados na ruas ( como fragmentos de móveis, paredes, etc). Em alguns minutos destruímos ( com ajuda de outro artista Mauro Madurera) todo e qualquer vestígio desta ocupação. Que ao final o espaço de arte tornava-se tão desolado quanto em seu princípio.
Hoje prefiro contestar e agir silenciosamente, sem uma espetacularização…
MC: Isto me faz recordar uma pesquisa que fizemos em relação ao Acidente..
AK: Em minha última individual na galeria vermelho tratou sobre isto. A mostra que chamei de “Acaso por Intenção”, discutia essa relação de ambigüidade entre um acidente e a tradução sobre esta ação, tendo referência a regras de proporção matemáticas – como o retângulo áureo, históricas e mesmo ordinárias cotidianas. Esta contradição, é o que gera o próprio processo dos trabalhos. Não é possível fazer arte com certeza….
MC: Foi uma época que fazíamos mais performances, ações na rua ou intervenções e agora nossa produção está mais objectual ou mesmo traduzindo isto para outras mídias pode ser enquadrado como velho e fazedor de produto. E talvez uma geração mais velha possa ter esta visão.
AK: Você diz as gerações de 60 e 70?
MC: Não, acho que para pessoas que não conheçam nosso passado de ações e transgressão e conheçam somente a produção mais recente. Será que é necessário conhecer este trajeto ou somente a produção mais recente?
AK: Eu entendo que somente é possível avaliar o trabalho do artista contemporâneo pela sua trajetória. Pois tudo é processo…
MC: Ultimamente você tem usado o drywall em seus trabalhos. De onde vem essa referência de material? Porque esse material não é de uso comum . Na arquitetura moderna brasileira, eu relaciono muito mais com o concreto, um grande oposto a este material. Imagino que você tenha começado a pensar sobre isso quando você fez sua residência em NY, pode ser?
AK: Acho que comecei a prestar mais atenção quando fiz a residência do bronx museum mesmo,…por estar na cidade durante o inverno, e estar meio sem grana, eu ficava muito dentro do apartamento, e tive uma impressão que era tudo oco…Achei bem estranho no início…
Pesquisando, percebi que esse material é um padrão de isolamento comum na construção americana e europeia. Comecei a perceber a fragilidade dessa arquitetura , falando de matéria, a matéria principal do drywall é o cal, e uma de suas característica de uso é o de limpeza, o cal mata tudo! Quando o Tiradentes morreu, jogaram cal na casa dele, para limpar tudo…um higienismo social!!
Acabo escolhendo o material para meus projetos pelo seu caráter simbólico….
MC: Engraçado, que você traz uma informação de uma contrução civil e arquitetônica que não é daqui…
AK: La ele existe como uma construção padrão, aqui ele, por ser novo, acaba sendo um material para construções de prédios de alto padrão ou comerciais. Tanto que o seu uso, é muito recente.
MC: Eu sempre relacionei o material “concreto” com a contrução simbólica mais característica da arquitetura moderna, que me parece que está desaparecendo nas construções novas,se relacionarmos esses materiais, como o concreto e drywall, me parece que temos um embate entre o sólido e o perecível,mas pensando bem, nada dura para sempre, nada e eterno…
AK: Voltamos para a velha questão da entropia dos materiais, de R. S. e G.M.C …
Mc: Como é pensar entropia, hoje em dia no Brasil? A entropia está dentro da construção recente dos centros urbanos latino americanos? Seria uma influência americana de organização?
AK: Posso falar por São Paulo, a cidade onde vivo. Uma cidade que não tem uma memória, sobre sua própria história arquitetônica, os prédios de anos atrás são demolidos e destruídos, e suas memórias são destruídas também, assim como sua história…
Mc: Porra….. então isso pode ser uma falha da concepção moderna de utopia, mesmo sendo atrasada.
AK: Com certeza….basta pensarmos em Brasília,:
Mc: Trágico!!!! Hoje, o crescimento desordenado do cinturão periférico das cidades satélites, praticamente engole o plano piloto, tira a sua função urbana original, não existe simbiose entre esses espaços de arquitetura tão distintas.dois opostos.
AK: Realmente, são duas situações impossíveis em gerar um acordo. Enquanto a utopia moderna permanece intacta , como uma peça de museu as cidades satélites proliferam-se de forma desordenada e contínua. Transformando o entorno em uma situação orgânica e real…