Entrevista com Marcelo Cidade_ Blindfield _Krannert Art Museum_2013

MC: Bem ,  para quebrar o gelo … Estava lembrando de algumas comparações que andam  fazendo entre a minha produção e a sua produção desde a exposição que nós fizemos em Londres, “A ordem natural das coisas” propusemos a ter uma perda de autoria, onde os trabalhos não eram identificados pelos nomes,  justamente para as pessoas pensarem muito mais o contexto que os trabalhos estavam  do que diretamente de quem era cada trabalho. Isso causou um pouco uma confusão e  até hoje muita gente  se confunde por causa de algumas questões e materiais, e gostaria de saber como você percebe isto?

AK: Bom,  na verdade nunca me incomodei com estas questões de autoria, identidade, porque creio que este tipo de comparação que existe dentro do mercado  (não só o de arte)  tende a comparar a produção do artista , justamente para  diminuir o outro. Uma comparação  por subtração.

MC: Mas isso você diz como um grande resumo?

AK: Não necessariamente… por exemplo, uma quebra de identidade do trabalho ou artista pode ser  positiva, de fato. Isto me recorda algumas conversas antigas que tínhamos, sobre esta “busca”. De não continuar em um estado de anestesia.  De não acomodar-se  em um elemento, situação ou questão.

MC: Você fala de mídia?

AK: De mídia e pesquisa. Para o assunto não ficar chato, repetitivo. Ou até mesmo de  fácil assimilação para o mercado.

MC: Engraçado que isto me faz lembra-me , que   nós nos conhecemos  a 15 anos e faz algum tempo que não temos uma conversa sobre trabalho e cada vez mais do meu ponto de vista está cada vez mais difícil pro artista falar de conceito e de reflexão na obra, para uma  prática sistemática de trabalho, por uma necessidade mercadológica ou por que o Brasil estar em uma ascensão econômica. E porque nós nunca mais tivemos este tipo de prática, até porque era uma das coisas que exercíamos na faculdade. Até que ponto isto incomoda ou se isso já está incluído  no processo criativo  ou se não  é mais necessário este tipo de conversa?

AK: Acho que  a conversa, a troca é sempre bem vinda… E existe de fato, assim como uma sistematização  da produção artística e talvez o desenvolvimento do conceito  entre dentro  deste sistema.

MC: Será que  a reflexão da prática artística acaba na própria execução  do trabalho enquanto profissionalização? E isso cria um embate na experimentação de novas coisas? Mesmo que sejam efêmeras e não se encaixem num padrão mercadológico?

AK:  Me explique melhor…

MC: Se é possível manter-se experimental, mesmo estando dentro do mercado?

AK:  Eu acho que sim, você não acha que é possível?

MC: Eu não sei, talvez seja uma tentativa no que  me faz acreditar o que é ser artista, pensar nisto e criar, “chutar o balde” desse limite que é sempre é dado para a gente.

AK: Pensar arte ou mesmo agir é  uma maneira de refletir sobre o entorno.  Tentar questionar ou mesmo criar dúvidas  sobre este meio estabelecido.  Não é necessário mais representar… que é exposta  por inúmeros meios como a internet…

MC: Você fala de referência?

AK: De conceito e produção.

MC: E na balança,  pensamento e produção se igualam?

AK:  Sim, claro. Não estamos falando em produto. Mas vamos deixar claro que a “produção”, refiro-me mais ao processo do que ao objeto pronto. Uma produção que não tem seu término…

MC: Sim, concordo.. . Pensando na época em que estudávamos juntos, Talvez existisse, não sei se uma visão inocente da produção de arte, porque se pensarmos  que até 5 ou 6 anos atrás  não existia esse “boom” de mercado de arte. Portanto uma motivação em produzir que não era monetária. Você vê isto com uma maneira saudosista?

AK: Não,  mas uma situação que  vivíamos. Por exemplo, começamos  a produzir mesmo sabendo que não haveria  uma comercialização do trabalho, fazíamos porque acreditávamos ( na ação da arte). Mesmo hoje,  se pensarmos, na nossa “profissionalização”, produzimos de maneira igual e similar a que produzíamos.

Mesmo existindo uma sistematização deste processo. Continuamos, porque não ficamos pensando durante o processo em uma relação monetária. De outra forma  o trabalho vira  uma encomenda, uma decoração.

MC: Não uma decoração, mas uma produção entorno de um pedido e isso não é  um pensamento cotidiano, uma questão. Algo feito por um propósito em si. Que existe muitos artistas que trabalham assim…

AK: Realmente, mas para mim não vejo muito sentido. Por isto que este ano decidi diminuir o ritmo de produção (este como produto), para voltar  a refletir mais sobre esta  produção( agora  como processo). Pois esta sistematização de forma generalizada estava desencadeando uma perda de força, consciência e presença ao refletir sobre o trabalho.

MC: É, isso é uma exaustão que eu também sinto um pouco. E para mim , nos últimos trabalhos que fiz, foi importante olhar para trás , ver trabalhos antigos que há tempo não via, isto me fez pensar  algumas questões que estava querendo fazer, e isto resultou em uma coisa boa. Você acha que possui uma pratica assim atualmente?

AK:Claro, sempre vejo meus cadernos, como uma fonte de referencia e não só para perceber o que  fazia, mas  para  recordar o que você era. E entendendo isto,

você entende oque você é hoje.

MC:  Mas você gosta mais dos seus trabalhos antigos ou novos?

AK: Igual… Depende muito do momento, situação. Por exemplo, o “anamorfose sistemática 2” ( 2012), é  um trabalho que me remete a outros mais antigos  que fazia, como em “ Marco 1” ( 2006), que disfuncionalizava o objeto trazendo outros questionamentos.

MC: Eu gosto  quando você tira esta  função do objeto banal, como uma prateleira comum. Recordo quando você estava agora em Bogotá,  vendo este trabalho percebi que parecia que tinha dado um golpe de Karatê no objeto. E nunca tinha associado isto a uma raiz oriental, isto faz sentido ou não?

AK: Se existe é inconsciente. Acho que caminha mais  com uma situação ou mesmo ação cotidiana e ordinária. Se pensar  que em qualquer situação existe uma invasão.

MC: Oque me chama mais a atenção de um trabalho escultural ou talvez não de para definir como escultura, mas me refiro quando  se vê um objeto que  sofre uma ação no tempo, quase como se fosse um resíduo de uma performance. Como aquele trabalho ( Peso morto _ 2011),  que da a idéia de um peso colocado em cima da lâmina de madeira e como este peso continuasse em uma… como se  o trabalho estivesse acontecendo em um espaço-tempo e não estivesse congelado. Como é pensar isto nos trabalhos?  Que isto me parece ser muito recente, que antigamente existia mais uma relação de registro de performance ou de uma ação direta no espaço. As prateleiras em si possuem  esta  característica atemporal de congelar o momento..

AK: Não consigo ainda  esclarecer muito sobre isto pelo fato  do trabalho ser ainda muito recente, por estar dentro do “turbilhão”… Acho que existem referências , idéias , mas  definir o trabalho prefiro não fazer  agora. Isto é uma coisa que tenho pensado ultimamente, sobre esta definição das coisas, este controle em permanecer intacto.  Definir é congelar.! E isso é uma ação que procuro não fazer,  por exemplo ; uma ação ordinária que tento   continuar  é  ser guiado pelo fluxo e não guia-lo mais… Levar-me pelo acaso, acidentes. Pois a partir desta sistematização do trabalho, …

MC: Como uma linha de produção?

AK: Estou tentando  seguir um caminho contrário a este..

MC: Por ter uma  rotina de trabalho ou por não ser mais um jovem artista “maconheiro”? Sic…

AK:  Sic… Acho que é uma forma em tentar entender  uma situação sistemática de outro modo…

Gostaria de retrucar a  pergunta que você me fez no  começo da entrevista. Para você é um incomodo a comparação  dos nossos trabalhos? Por que?

MC:  No princípio  isso me incomodou pela similaridade de mídia, mas  com o tempo fui percebendo que não  era o material que  faz o trabalho ser igual, ou parecido. Para mim agora parece ser mais uma relação de troca, quando você me propõe um trabalho com mesmo material , no entanto de outra maneira.  Se focarmos no material, o tijolo, por exemplo.  Você começou a utilizar o tijolo de barro e depois  passou para o de concreto, em um  momento que já havia trabalho com este material, e como minha preocupação não era forma esse material passou.

Você trouxe em  Desvio de poder 1( 2011), um bloqueio com um muro de blocos de concreto, como um artifício de um divisor de espaço e a tinta branca  romper este limite. Se falarmos em material, você em seu trabalho  adiciona outros materiais  como  a tinta, madeira. Com isso  se quebra minha primeira interpretação , um incômodo inicial. Pois não é mais somente o cimento, mas sim um dialogo com uma maneira em se romper essa verticalidade. Como propus em Imóvel(2004), ou em Luto em luta( 2008) que pensava o tijolo como uma estrutura hierárquica – vertical. Como também horizontal  em monobloco

( 2004), um trabalho que se auto destruía.

Penso mais hoje como um diálogo doque um incômodo.

AK: A nossa conversa passa de  ser verbal , para  uma troca através  dos trabalhos. Uma não comparação ou subtração… Talvez  uma outra maneira em romper com   a competição gerada pelo mercado.

MC: A subtração  pode anular os dois ,  se seguirmos  a matemática.

AK: Se  crescemos e desenvolvemos juntos nossos trabalhos,por que haver esta subtração?

MC: Me lembro de alguns trabalhos antigos seus, como Y0K (2002) que nesta ação você utilizava seu corpo para quebrar uma quina de paredes brancas ou em Encouraçado (2001) que você  rola as escadas …Na época realizei também algumas performances, como em Processo de acinzentamento (2003). Acho que tínhamos esta fúria juvenil punk. Você acha que perdemos isto ou traduzimos isto de outra maneira?

AK: Acho que transformamos, mas a contestação continua existindo, por isto ainda produzimos. As ações diretas, imediatas foram codificadas por um acúmulo de informações, e vivências.

Como em Projeto –Casa / Entulho ( 2002), que após  construir por um período de um mês em uma galeria de arte, diversos móveis  com materiais descartados na ruas ( como fragmentos de móveis, paredes, etc). Em alguns minutos destruímos ( com ajuda de outro artista Mauro Madurera) todo e qualquer vestígio desta ocupação. Que ao final o espaço de arte tornava-se tão desolado quanto em seu princípio.

Hoje prefiro  contestar e agir  silenciosamente, sem uma espetacularização…

MC: Isto me faz recordar uma pesquisa que fizemos em relação ao Acidente..

AK: Em minha última individual na galeria vermelho tratou  sobre isto. A mostra que chamei de “Acaso por Intenção”, discutia  essa relação de ambigüidade entre um acidente  e  a tradução sobre esta ação,  tendo referência a regras de proporção matemáticas –  como  o retângulo áureo, históricas e  mesmo ordinárias cotidianas. Esta contradição, é o que  gera o próprio processo  dos trabalhos. Não  é possível fazer arte com certeza….

MC: Foi uma época  que fazíamos mais performances, ações na rua ou intervenções e agora nossa produção está mais objectual ou mesmo traduzindo isto para outras mídias pode ser enquadrado como velho e fazedor de produto. E talvez uma geração mais velha possa ter esta visão.

AK: Você diz as gerações de 60 e 70?

MC: Não,   acho que para pessoas que não  conheçam nosso passado de ações e transgressão e conheçam somente  a produção mais recente. Será que é necessário conhecer este trajeto ou somente a produção mais recente?

AK: Eu entendo que somente  é possível avaliar o trabalho do artista contemporâneo pela sua trajetória. Pois tudo é processo…

MC: Ultimamente você tem usado o drywall em seus trabalhos. De onde vem essa referência de material? Porque  esse material não é de uso comum . Na arquitetura moderna brasileira, eu relaciono muito mais com o concreto, um grande oposto a este material. Imagino que você tenha começado a pensar sobre isso quando você fez sua residência em NY, pode ser?

AK: Acho que comecei a prestar mais atenção quando fiz a residência do bronx museum mesmo,…por estar na cidade durante o inverno, e estar meio sem grana, eu ficava muito dentro do apartamento, e tive uma impressão  que era tudo oco…Achei bem estranho no início…

Pesquisando, percebi  que esse material é um padrão de isolamento comum na construção americana e europeia. Comecei a perceber a fragilidade dessa arquitetura , falando de matéria, a matéria principal do drywall é o cal, e uma de suas característica de uso é o de limpeza, o cal mata tudo! Quando o Tiradentes morreu, jogaram cal na casa dele, para limpar tudo…um higienismo social!!

Acabo escolhendo o material para meus projetos pelo seu caráter simbólico….

MC: Engraçado, que você traz uma informação de uma contrução civil e arquitetônica que não é daqui…

AK: La ele existe como uma construção padrão, aqui ele, por ser novo, acaba sendo um material para construções de prédios de alto padrão ou comerciais. Tanto que o seu uso, é muito recente.

MC: Eu sempre relacionei o material “concreto” com a contrução simbólica mais característica da arquitetura moderna, que me parece que está desaparecendo nas construções novas,se relacionarmos esses  materiais, como o concreto e drywall, me parece que temos um embate entre o sólido e o perecível,mas pensando bem, nada dura para sempre, nada e eterno…

AK: Voltamos  para a velha questão da entropia dos materiais, de  R. S. e G.M.C …

Mc: Como é pensar entropia, hoje em dia no Brasil? A entropia está dentro da construção recente dos centros urbanos latino americanos? Seria uma influência americana de organização?

AK: Posso falar por São Paulo, a cidade onde vivo. Uma cidade que não tem uma memória, sobre sua própria história arquitetônica, os prédios de anos atrás são demolidos e destruídos, e suas memórias são destruídas também, assim como sua história…

Mc: Porra….. então isso pode ser uma falha da concepção moderna de utopia, mesmo sendo atrasada.

AK: Com certeza….basta pensarmos em Brasília,:

Mc: Trágico!!!! Hoje, o crescimento desordenado do cinturão periférico das cidades satélites, praticamente engole o plano piloto, tira a sua função urbana original, não existe simbiose entre esses espaços de arquitetura tão distintas.dois opostos.

AK:  Realmente, são duas situações  impossíveis em gerar um acordo.  Enquanto a utopia moderna permanece intacta , como uma peça de museu  as cidades satélites proliferam-se  de forma desordenada e contínua. Transformando  o  entorno em uma situação orgânica e real…

 

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