Mexendo com estruturas
André Komatsu posiciona seus trabalhos de forma contundente sobre questões do sistema
Aos 40 anos de idade, o artista André Komatsu coleciona uma série de mostras importantíssimas em seu currículo, tendo participado da delegação brasileira na Bienal de Veneza em 2015 e de duas Bienais do Mercosul seguidas, em 2009 e 2011. O artista divide um espaço com um amigo no Belém, no começo da Zona Leste. O galpão de 400 m2 é usado basicamente para que as ideias tomem forma, ideias essas que surgem em qualquer lugar, seja em um quarto de hotel ou mesmo durante uma troca com o público.
Komatsu é um artista questionador, e que não tem receio disso. Seu posicionamento anti-sistema (ou mesmo no plural) é um fator importante em seu trabalho, desde o início: “A gente precisa entender que a estrutura social nunca foi alterada. Entender que o que vivemos hoje, por exemplo esse levante ultraliberal, é um desenvolvimento do mercantilismo, da burguesia, quando eles começaram a entender que o Estado poderia ser um veículo de acúmulo de capital”, comenta o artista.
Ele vem de um grupo que fazia muita performance no começo da carreira, entre 1999 e 2000: “Antigamente era muito mais visceral. Venho de uma turma que cresceu num momento que o mercado de arte não era grande como agora. Tinha quase nada. E era um grupo de artistas que o pessoal não tinha dinheiro”, ele conta. De lá pra cá, ele já trabalhou com várias modalidades, da gravura à performance à instalação: “Naquela época, você se virava com qualquer coisa. Material eu pegava na rua. Ou fazia performance porque não precisava gastar dinheiro…”. Até começar a realmente tirar um sustento de suas criações, Komatsu trabalhou como motorista particular, professor e barman.
A servidão voluntária, as relações do trabalho, a sistematização das ações, a objetificação do sujeito são alguns dos pontos que André trabalha como artista, se colocando como um pensador que investiga a ética, a política e a sociedade. Muitas vezes, ele utiliza reflexões sobre a arquitetura e a construção civil para falar sobre isso, por exemplo em obras como a da série Realidade Perecível, na qual ele apresenta textos escritos sobre telas finas feitas com concreto, que simulam um tipo de cortina. Tão frágeis que vão se desfazendo com o tempo e com o manuseio, desintegrando palavras termos como “o progresso”, “o novo mundo” e até mesmo a frase “hoje como ontem”, retirada de um jornal nazista. O estrutural e o esfarelamento da estrutura aparecem como analogias, já que ele admite: “Eu acredito que as coisas só mudem com a quebra das estruturas”.
Outra série ligada às palavras, mais especificamente à comunicação, mostrada recentemente na exposição individual Estrela Escura, na Galeria Vermelho, Acordo Social mostra jornais coletados de vários países cujos “nomes estabelecem uma palavra de ordem”, independente da linha editorial: O Mundo, A República, O Manifesto. Komatsu cobre o jornal com placas de chumbo, deixando apenas o nome visível: “Eu isolo a informação, fazendo uma relação com o reflexo de hoje, onde a informação está ali mas é velada, que são as verdades que acabam direcionando o público”.
As discussões que o artista busca trazer estão muito ligadas à sua base teórica. As leituras são frequente e indispensáveis pra ele: “Os livros que acabo lendo são muito ligados à Filosofia. Não tem nada a ver com arte. Raramente leio coisas sobre arte”, ele explica que receia que as leituras sobre arte reduzam tudo a um microcosmo: “Eu tento entender uma outra coisa. E utilizo a arte para isso”. Para isso, ele se debruça sobre autores como Michel Foucault e Vilém Flusser.
Os questionamentos de André se somam em uma representação da realidade, buscando acompanhar as questões do contemporâneo e olhando também para o passado. De referências aos candangos que construíram Brasília às que envolvem a recente crise hídrica em São Paulo, André se envolve com uma espécie de preservação da História, afinal: “Quando você apaga a História, você apaga o entendimento sobre a realidade”.