Alaska_Exposição Individual _CCSP_ 2005/2006

CCSP_Programa de Exposições_ 2005/2006_Alaska

 

A representação de processos construtivos e de edificações no trabalho de André Komatsu contém sempre ruínas e a idéia de desconstrução. Um dos procedimentos usuais do artista é recolher entulho das ruas, caçambas e lixos, e atribuir nova função ao que era dejeto, seja para empregá-lo na produção de tridimensionais e instalações, seja para tomá-lo como suporte de desenhos de arquitetura. 

Em geral, as peças incorporam, invertem e devolvem na forma de problema as características de seus suportes e referentes. Assim, fragmentos de alvenaria recebem contornos a lápis de um muro imperfeito ou de um prédio de alto padrão, e a maquete de um sobrado, com as paredes laterais de madeira no chão, abriga uma pilha de cascalhos. Nessa espécie de dialética do canteiro de obras, erigir pressupõe a derrubada de estruturas. E o que sobra da demolição volta a ser matéria-prima em trabalhos que comentam os modos de uso e ocupação de espaços públicos e terrenos particulares na cidade. 

A mostra do artista no Centro Cultural São Paulo transpõe para a área expositiva o princípio de construir para destruir, e vice-versa. Kamikase (ou para todos aqueles que acreditaram) representa o impacto da colisão entre dois carrinhos de rolimã por um amontoado de papelão, sarrafos de madeira, garrafas de PVC etc. O “choque” dos carros guiados pelos pés ganha uma onomatopéia puramente visual, não-lingüística: o CRASHHH!!! dos balões de gibis, com os destroços. Montado no cruzamento entre duas rampas do prédio, o trabalho restringe a circulação dos visitantes e insinua um estado de exceção, quem sabe, o clima de guerra que o título sugere. 

A beligerância está abafada também nos vãos que cortam a luminosidade clínica de Alasca, instalação na qual Komatsu ergue uma casa-mata com a assepsia do “cubo branco” em carga máxima, o que, vice-versa, confere sentido militar ao espaço genérico consagrado à arte. De fato, o bunker é um cubo enquanto construção, branco, de blocos de concreto, mas é também o local de proteção e ataque, com visores nas quatro faces laterais, instalado numa sala iluminada até a saturação da luz fria. 

Tudo cândido demais, uma brancura comparável – por indução do artista – a um iglu projetado em linhas retas, encravado na neve de fundo infinito do Alasca. De dentro do abrigo, onde ninguém entra, só seria possível ver o exterior pelas frestas, destinadas ao posicionamento e à mira de armas de fogo. Sem indício de conflito, debaixo de um barulho surdo, a arquitetura de guerra parece até se acondicionar bem numa galeria de arte. Ou não, seria a própria arte em risco, sob alvo de fogo-amigo? Se for, a exposição vai inteira dedicada àqueles que acreditaram.

 

José Augusto Ribeiro