Tempo igual ação sobre espaço_Temporada de Projetos-Paço das Artes_2006

Tempo = ação/espaço

 

O projeto de André Komatsu é menos uma obra acabada do que um processo que se desenvolve no tempo. Ele não chega a se constituir como uma narrativa, já que não há personagens ou acontecimentos que se encadeiam em série. Trata-se apenas de dois momentos: o primeiro, o incêndio da estrutura de uma pequena casa de madeira construída ao ar livre e, o segundo, o recolhimento das cinzas e a transferência delas para uma caixa dentro do espaço expositivo.

O trabalho não forma um sistema fechado em que a mudança de um estado a outro tende sempre a desordem, embora parte da casa incendiada se dissipe em calor e fumaça. A perda de energia, a destruição da estrutura arquitetônica e sua tendência ao esfacelamento, são relevantes nesse processo. No entanto, em vez da valorização do declínio ou da aniquilação, interessa ao artista o processo de mudança contínua tanto dos objetos como do espaço. Além de ocupar livremente o exterior do prédio, resíduos desse processo ficam impregnados nas roupas do público. E depois de transportadas para dentro do Paço das Artes, qualquer deslocamento de ar tende a fazer com que as cinzas continuem a se dispersar.

As premissas espaciais do trabalho de Komatsu se distanciam de uma compreensão apenas quantitativa do espaço, como se ele fosse constante, fixo e mensurável completamente por alguma unidade de medida. Ao contrário, sua noção parte de um espaço que em nada se opõe ao tempo. Trata-se justamente de um espaço móvel, qualitativo e que tende a ser percebido em seu devir. As arquiteturas projetadas pelo artista são sempre inabitáveis ou inacessíveis. Não são espaços confortáveis, concebidos segundo proporções ideais a partir da escala do corpo. São lugares apertados, áridos e que antes de buscarem uma relação harmoniosa com o espectador, ou proporem uma participação, são agressivos e avessos ao contato direto.

Em um dos de seus vídeos, em que o artista recolhe ruínas e fragmentos de construções pelas ruas da cidade e tenta agregá-los ao seu corpo em mochilas ou bolsos, fica evidente a inadequação entre corpo humano e a matéria bruta da construção civil. Mesmo que em alguns trabalhos ele tente a atribuir nova função ao entulho, é clara certa oposição entre esses dejetos, os espaços arquitetônicos dos quais eles resultam, e sua relação com o corpo.

A inadequação de certas construções em relação ao corpo havia sido formulada pelo artista em uma espécie de guarita inóspita, uma arquitetura de guerra e de controle que Komatsu projetou para sua individual no Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo. Fechado em si mesmo e inacessível, tratava-se de um espaço ameaçador que se camuflava com o branco dos painéis destinados a organizar a mostra. 

Entretanto, enquanto nessa experiência a assepsia era uma estratégia de disfarce, aqui, em Tempo = ação/espaço, ela pode ser compreendida de modo inverso. A combustão da madeira não deixa de ser uma maneira de higienização, mas a transposição dos resíduos resultante desse processo para o espaço expositivo inverte esse processo. O trabalho funciona assim como um agente contaminador que leva a sujeira do mundo da vida para dentro do asséptico e “neutro” espaço expositivo.

Trabalhando com as relações entre a ação no espaço e sua correspondência com o tempo, Komatsu parece compreender o par construção e descontrução como inseparável. Antes de criar espaços congelados e determinados por relações fixas, ele lida com o processo de transformação da ruína em edificações e a inevitável ação do tempo que tende a corrompê-las e degenerá-las.

Cauê Alves, Outubro de 2006

 

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